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NOTÍCIA

Pesquisa: Rico ou pobre? Como se enxergam os moradores rurais

Publicado em: 22/01/2018 às 16:00

Com parceria da Universidade Paranaense e a Universidade Federal do Amazonas, Pesquisa da UFC avalia os impactos psicossociais da pobreza em moradores de três comunidades rurais do País

O Nucom trabalhou com questionários, sempre acompanhados de falas dos moradores sobre as dificuldades e felicidades do dia a dia nas comunidades

“Não sou rico, porque não tenho tudo. Mas não sou pobre, porque tenho casa e faço três refeições.” A frase, colhida em meio a grupos focais, sintetiza o pensamento de moradores da zona rural do município cearense de Pentecoste e contrasta com os dados oficiais de emprego e renda.

Essa visão sobre a própria classe social foi uma das percepções encontradas em pesquisa desenvolvida pelo Núcleo de Psicologia Comunitária (Nucom), da Universidade Federal do Ceará, que avaliou os aspectos psicossociais da pobreza em comunidades rurais.

O estudo foi conduzido no período de 2014 a 2016, por meio da aplicação de questionários e grupos focais em Pentecoste, Cascavel (PR) e Humaitá (AM). A pesquisa trabalhou questões relacionadas à naturalização da pobreza, à culpabilização do pobre por sua pobreza e à redução da pobreza à dimensão financeira.

A ideia de “nem pobre, nem rico” está fortemente presente nos três municípios. Mais exatamente em 62,5% dos 376 entrevistados de Pentecoste (renda per capita familiar) de apenas R$ 355,42), em 60,7% dos 361 entrevistados de Cascavel (renda per capita familiar de R$ 631,95)  e em 79% dos 376 entrevistados de Humaitá (renda per capita familiar de  R$ 457,52).

Dois fatores podem ajudar a explicar a forma como os grupos se vêem: o primeiro é a percepção que se tem do outro. Muitos não se veem como pobres em comparação com os mais pobres da comunidade. Outro fator que pode influenciar no modo de se ver é a constante estigmatização que acompanha a população pobre, que a coloca em situações de vergonha e humilhação.

Preconceito e discriminação

A Profª Verônica Ximenes, coordenadora do Nucom, explica que, na sociedade, pessoas pobres sofrem forte preconceito e discriminação. Por isso, não se enxergar como parte de uma classe social desprivilegiada também é uma forma de autoproteção. “É um modo de enfrentamento da pobreza. Se eu me considero nesse lugar (a pobreza), é doloroso para mim”, avalia.

A pesquisa tentou identificar os “locais” em que experiências de humilhação foram vivenciadas. As mais citadas ocorreram em casa, em postos de saúde e hospitais e no ambiente de trabalho. Por outro lado, a família foi vista, em primeiro lugar, como espaço de apoio social nos momentos de dificuldade. Os principais motivos relatados dos processos de humilhação foram falta de estudo, de renda e local de moradia.

O Nucom acredita que os casos de humilhação também estão associados à ideia de naturalização da pobreza. A pesquisadora Bárbara Nepomuceno, doutoranda em Psicologia, conta que, nos questionários, era comum as pessoas entrevistadas responderem nunca ter sofrido humilhação. “Logo em seguida, eles começavam a contar uma experiência, mas sem conseguir reconhecer aquilo como humilhação. Há uma vergonha de narrar o fato”, pontua.

As várias faces da pobreza

O Nucom trabalha com o chamado Índice de Pobreza Multidimensional (IPM), tendo como base o indicador criado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento em parceria com o centro de pesquisas The Oxford Poverty and Human Development Initiative (OPHI). O IPM avalia a situação social não apenas em função da renda familiar mas considerando dimensões como acesso a saúde, educação e renda, condições de vida e aspectos subjetivos.

O índice varia de 0 a 1, no qual zero representa a não pobreza e um, a pobreza extrema. O grupo de pesquisa estabeleceu como ponto de corte o índice de 0,2857 – quanto mais esse ponto for ultrapassado, maior é a pobreza multidimensional. Pentecoste foi o município que atingiu o maior IPM, com uma média de 0,3234, seguido por Humaitá, com 0,3119. Cascavel foi o único que ficou abaixo do ponto de corte da pobreza, com 0,2755.

O indicador apenas resume em números a situação encontrada pelo Nucom: em Pentecoste, 37,8% dos entrevistados não concluíram o ensino fundamental e 7,4% nem sequer frequentaram a escola. A dificuldade de conseguir atendimento médico também é uma realidade na cidade: 34% dizem raramente ou nunca ter acesso aos serviços de saúde, chegando a desistir por falta de dinheiro para locomoção.

Foi perguntado à população entrevistada se ela acreditava que a falta de dinheiro prejudicava seu atendimento nos serviços públicos. Em Pentecoste, 63% disse que sim, ao passo que em Humaitá o índice foi ainda mais alto, de 67%, e em Cascavel, de 49%.

Na pesquisa, também foram investigadas questões relativas à saúde mental. Para isso, aplicou-se o instrumento SRQ-20, desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde, que avalia a predisposição para transtornos mentais comuns (TMC). A cidade de Pentecoste é a que apresenta o menor indicador de predisposição a algum tipo de transtorno mental comum, expresso por sintomas como ansiedade, insônia, nervosismo, fadiga, irritabilidade, esquecimento, dificuldade de concentração e queixas somáticas. Na amostra total, 41,6% dos entrevistados estão nessa condição; o número é de 36,2% em Pentecoste.

 

Resiliência

Mas a pesquisa não trabalha apenas com as implicações da pobreza no adoecimento ou no sofrimento dos habitantes. Também são avaliadas categorias de enfrentamento, como o bem-estar e a satisfação com a vida, sempre alta entre os entrevistados, o sentimento de pertencimento à comunidade, o apoio social e a resiliência.

Em uma média de 0 a 4, que avalia a resiliência da população no sentido de superar as adversidades do dia a dia, Pentecoste, ao lado de Cascavel, obteve o índice de 2,52. Ambas as cidades ficaram à frente de Humaitá, que obteve 2,50. “Essas pessoas podem não conseguir romper ou acabar com a pobreza, mas elas a estão enfrentando de formas diversas”, comenta a Profª Verônica.

A disponibilização de políticas sociais, como o Bolsa Família (recebido por 48,7% dos pentecostenses) e o acesso facilitado às universidades, foi outro fator avaliado pela pesquisa como potencial modificador da qualidade de vida nas comunidades. “Vimos o relato das pessoas sobre como as experiências de viver em pobreza com e sem o Bolsa Família são diferentes. Não resolve o problema, mas possibilita maior resiliência”, lembra a doutoranda Bárbara.

Por isso, a equipe espera levar os dados coletados à gestão pública, no intuito de fortalecer políticas sociais e de serviços públicos. “Queremos que os resultados impactem os órgãos governamentais, para que eles possam tensionar essa realidade e trazer situação de visibilidade dessas pessoas que vivem em situação de pobreza”, provoca a Profª Verônica. A pesquisa foi feita em parceria com a Universidade Paranaense (Unipar) e a Universidade Federal do Amazonas (UFAM), com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), dentro do Edital Universal MCTI/CNPq nº 14/2013.

Foto e textos: AI/Universidade Federal do Ceará

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