Você está aqui: Notícias > Ética: Mais de seis mil assistem à palestra de Leandro Karnal
Ética: Mais de seis mil assistem à palestra de Leandro Karnal
Publicado em: 17/05/2016 às 16:40
Evento foi patrocinado pelo Conselho Regional de Administração e recebeu apoio da Unipar, Prefeitura Municipal e empresas
Mais de seis mil pessoas compareceram ao centro de eventos de Francisco Beltrão, na noite de quinta-feira, 12, para assistir à palestra do historiador Leandro Karnal. Foi o maior evento do gênero realizado no município e também a maior plateia que o palestrante já teve ao longo de mais de 30 anos de palestras no Brasil e no exterior.
A palestra Ética nas Corporações teve entrada gratuita. Promovida pelo Conselho Regional de Administração (CRA), em parceria com a Universidade Paranaense – Unipar e a Prefeitura de Francisco Beltrão e apoio da Data Formaturas e DDM Produções.
O professor Claudemir José de Souza, diretor da Unidade da Unipar em Francisco Beltrão, falou que a Instituição recebeu exatas 6.187 inscrições para o evento de pessoas de diversos municípios do Sudoeste do Paraná e Oeste de Santa Catarina. Ele agradeceu ao empenho do administrador Gilberto Serpa Griebeler, presidente do CRA, pela realização da palestra (que vai acontecer em mais 15 cidades do Paraná). “Essa participação expressiva anima os organizadores para trazerem novos eventos, deste nível, para a região”, destaca o diretor.
O prefeito Antonio Cantelmo Neto diz que a palestra veio a calhar, exatamente em um momento conturbado da história política brasileira: “Karnal nos trouxe muitos conhecimentos para repensarmos nossas ações, nossos planos, que servem não só para melhorar nossos negócios, mas também os nossos estilos de vida”.
Griebeler também fez uso da palavra e falou que quando as palestras foram planejadas, no ano passado, foi feita uma reflexão prévia sobre a crise econômica, política, moral e de gestão. “Na verdade, a fonte de todas as crises é o comprometimento com a ética de cada um de nós, na sua família, na sua empresa e assim por diante”, argumentou. Por essa razão, o Conselho resolveu contratar Karnal: “Usando de seus excelentes conhecimentos, nosso objetivo é difundir na sociedade um pouco mais daquilo que nós acreditamos, de que a ética faz a diferença”.
Karnal é muito conhecido por seus comentários nas redes sociais; tem milhares de seguidores e é apresentador do programa Café Filosófico da TV Cultura. Ele concedeu entrevista à tarde para a imprensa e atendeu fãs para fotos.
Mundo líquido
Karnal começou sua palestra enfatizando as mudanças rápidas pelas quais o mundo passa. Recorrendo às teorias do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, sublinhou: “Como é bom ver tantos jovens na plateia para falar sobre ética, num momento muito importante do nosso país e do mundo; nós não temos mais certeza das fronteiras, não temos mais dimensão de certo e errado; passamos a viver num mundo líquido, absolutamente destituído de limites ou de formas”.
Com didática exemplar, falou que estamos imersos nesse mundo, vivendo um momento intenso de mudanças rápidas, em especial para os mais velhos: “Nós nos sentimos muito perdidos, porque nós fomos acostumados ao mundo das mudanças mais lentas”.
Determinismo “Muita gente acha que existem forças superiores a nós, existe um determinismo ou genético, ou da natureza humana. E esse determinismo nos tornaria uma espécie de fantoche, que é absolutamente contrário ao pensamento da história. A história insiste que todos nós somos gestores de nossa vida. Somos agentes históricos e muitas vezes as explicações falaram de forças do além.”
Ser ou não ser “Há um princípio fundamental que cresceu no Renascimento, com Leonardo da Vinci, de que o ser humano é livre. O monólogo mais importante da crise do renascimento é o Hamlet quando ele deixa claro que eu posso ser ou não ser, é uma escolha minha a todo instante que o indivíduo determine sua vida.”
Homem adulto escravo do homem infantil “Freud trouxe lá do interior do império austro-húngaro, para Londres, uma reflexão difícil para nós: ‘não somos tão livres, somos frutos dos nossos traumas. Somos escravos da formação que tivemos. O meu inconsciente infantil vai me perseguir toda a vida, determinando que eu seja tímido ou não, que eu tenha traumas ou não’. Freud falou de um homem adulto pelo homem infantil.”
Leitura superficial ou Facebook “Eu não tenho interesse em converter ninguém a nenhuma ideologia; tenho interesse que as pessoas pensem, cheguem a alguma conclusão. Para ele, a maioria das pessoas chega a suas conclusões baseadas em senso comum, preconceito, leitura superficial ou Facebook. Todos temos pontos cegos e é preciso identificá-los.”
Paixão principal ponto cego Citou diálogo de Hamlet e Horácio, em peça de William Shakespeare, no qual um deles diz que seguiria de coração o homem que não fosse escravo da paixão, porque a paixão é o principal ponto cego. “Paixão em qualquer sentido: uma pessoa que não tenha paixões, que analise objetivamente alguma coisa, é uma pessoa privilegiada, porque ela é livre, para emitir opiniões, para pensar.”
Informação x conhecimento “As pessoas têm uma fantasia na era da internet; elas confundem informação com conhecimento. A informação está disponível a todos vocês nesse momento, nesse auditório; podem acessar com seus celulares toda a produção humana. E não obstante continua sendo um problema grave, longo e difícil formar alguém. Não melhorou nos últimos anos.”
Direitos x deveres “A noção de direitos cresceu muito com a internet; a CLT, por exemplo, é de conhecimento coletivo, todos podem ter acesso, todos podem ter acesso a sua carta de leis, mas é curioso que nós continuamos ignorantes na noção de deveres. Somos rápidos em dizer como o mundo deve nos servir, somos lentos em perceber como nós devemos servir ao mundo, somos rápidos nos direitos. Assumir o traço subjetivo com a máxima objetividade, sentir a paixão humana, desapegar sobre ela a razão é um caminho fundamental para amar-se.”
Responsabilidade “Toda sociedade precisa resgatar o sentido de responsabilidade. Frase da minha mãe. Todo problema que começa com ‘eu’ é seu. Está ao alcance de todos ter o corpo, a renda, o conhecimento. Só que dizer isso incomodo. Não existe trânsito ruim por culpa dos outros. Não existe cidade suja ou limpa, existem pessoas que jogam papel na rua. Não existe uma aula chata, existe o meu desinteresse. Eu tenho dito por todo o país a mesma coisa quando as pessoas me perguntam o que que você faz para ler tanto. Eu vou dizer um segredo: eu sento, abro o livro e leio. Ou seja, não há segredos, para qualquer coisa que eu queira melhorar ou ser eu tenho que saber o quanto eu tenho que investir. Tudo que um ser humano consegue eu posso conseguir; é claro que alguns vão precisar de mais energia do que outros. Responsabilidade é a capacidade ética de discutir o que o bem comum, bem coletivo está acima do bem individual. Saber que eu não tenho o direito de invadir o espaço do outro. E que eu faço parte de uma comunidade, família, condomínio, paróquia, escola.”
Colapso da ética “Atitudes éticas têm que ser educadas, estimuladas, treinadas. O colapso contemporâneo da ética, entre outras coisas, está nascendo da falta de vontade de pais e professores de mostrar limites. Educar é mostrar limites. Eu sou um pai e professor e não amigo dos meus filhos. Os meus filhos têm amigos que são iguais a eles, eu não sou igual a eles. A minha relação é amorosa e pedagógica.”
Educar é mostrar limites “Mostrar limites às vezes é chato; você tem que assumir uma postura antipática, não precisa punir fisicamente, nem a lei nem a nossa compreensão pedagógica permite isso hoje. Mas tem castigos terríveis como tirar a senha da internet. Educar é entender que eu estou formando alguém não para me amar, não para me servir, para me achar melhor, mas para ser um ser humano melhor. Quem não tem condições de estabelecer limites, não deve ter filhos, deve se distrair com cachorros, gatos. Para ser pai é preciso ter vontade de todos os dias, de aqui até o fim dos tempos, de educar, amando.”